sexta-feira, 25 de abril de 2008

Ao invés de Isabella, Casagrande me comove

Por Ricardo Kauffman*
Confesso que paralisei. Inundado, estou imune a qualquer sensibilidade a respeito do caso da menina Isabella. Passado o horror inicial com o fato, perdi o interesse sobre o assunto - lamento.

Acredito que seja uma reação espontânea à vertigem na qual mergulhamos. Feito ressaca de chocolate pós-Páscoa, qualquer notícia sobre a tragédia me dá enjôo -me refiro ao noticiário, guardo respeito à família.

A sinistra entrevista exclusiva dos vilões; a urgente cobertura dos depoimentos; a megacomoção pública; as manifestações fabricadas em busca de uma faísca de visibilidade, capturadas com igual oportunismo pela imprensa. Análises sociológicas (mesmo as boas). Sequer o ângulo que desconstrói o fenômeno me atrai.

Vivemos dias de ditadura, mesmo com eleições diretas e imprensa livre. A ditadura da audiência. Ninguém pode ir contra ela na televisão, rádio, jornal ou Internet.

Não tratar de Isabella é deixar de existir, nestes dias de delírio na mídia. O público do jornalismo aumentou coisa de 40% com Isabella, dizem pesquisas.

Um exército de câmeras e holofotes está a postos para captar qualquer pingo de conteúdo (ou algo que o valha) que escorra do caso, a cada segundo, frame, centímetro.

O noticiário está embriagado. Sabemos todos que a situação é completamente nonsense. Que há um imenso exagero de cobertura.

Não faz nenhum sentido humano o espaço dado ao caso. Todos, no íntimo, antevemos a virada desta página logo mais, na próxima esquina, quando a raiva passar. Foi assim com Champinha e a garota von Richthofen, recentemente.

Aí a cobertura vai diminuir. Mesmo que haja notícia genuína. Mesmo que a investigação, daqui a meses, chegue a respostas conclusivas. E que a Justiça exerça o seu poder com retidão. Nada vai valer, se a audiência tiver baixado.

Na contra-mão deste sentimento desanimado, me comovo com a aparição de Walter Casagrande, na revista Época e na TV Gazeta.

Segundo Época, a reportagem encontrou o jogador quase por acaso, na clínica Greenwood, em Itapecerica da Serra, na Grande São Paulo.

Durante apuração para matéria sobre tratamento de dependentes de drogas, Época descobriu o paradeiro de Casagrande, que já há sete meses permanecia internado lá, sob sigilo e discrição das pessoas que cercam o ex-jogador.

A reportagem de capa traz um depoimento assinado por Casagrande. Ele relata seu estado atual e como chegou ao local, 20 quilos mais magro depois da quarta overdose seguida de cocaína, em setembro passado.

Avisa que está se cuidando e que admitiu ser dependente químico. Está começando uma longa caminhada de recuperação.

No domingo, deu entrevista ao Programa Mesa Redonda, da TV Gazeta de São Paulo, ao apresentador Flávio Prado. O fez com grande dignidade. Disse que a droga ocupou o espaço vazio deixado em sua vida pela adrenalina do futebol.

Curioso notar que depoimento tão notório não tenha sido dado ao Fantástico, da Rede Globo. Haja visto que Casagrande é funcionário da emissora com contrato até 2010 e que o furo - a localização do jogador e a proximidade a ele no momento em que resolveu falar - foi dado por uma publicação da editora Globo.

Até porque semana passada o Jornal Nacional e da Globo demonstraram imenso interesse na cobertura do envolvimento de celebridades midiáticas com drogas.

A prisão do jornalista Roberto Cabrini - hoje na trincheira inimiga - foi alvo de espaço nos noticiosos globais nitidamente desproporcional à relevância do fato.

O que não ocorreu, por exemplo, com o ator Fábio Assumpção, estrela da casa que atualmente também vive dificuldades. Salvo engano, a TV Globo é deveras seletiva nestas questões.

Seja como for, ao contrário da cobertura de Isabella, a aparição de Casagrande faz todo sentido.
Ele expôs suas fragilidades com hombridade. Usou sua condição de celebridade com inteligência e coração, depois de sete meses de resguardo.

Foi para a berlinda de forma positiva e sem demagogia. Num movimento que aparenta fazer parte da reconstrução de sua auto-estima. Até porque ele vai voltar para frente das câmeras.

Época e TV Gazeta obtiveram audiência - não tanto quanto as manchetes do caso Isabella - com uma tragédia, a dependência de drogas. Mas neste caso, com respeito aos personagens e de forma construtiva.

A revista semanal tomou postura corajosa, já que decidiu não trazer mais uma vez na capa menção ao desgastado caso da menina, como o fez retumbantemente a concorrência.
Os jornalistas que estão cobrindo o caso Isabella relatam forte desgaste com a pressão que sofrem dos veículos por mais e mais exploração do espetáculo.

Que este esteja no final. Assim como a "bebedeira" coletiva. Que venha a desintoxicação e finalmente a lucidez.

E que o centro-avante da Democracia Corintiana reencontre o caminho de volta ao seu lugar de destaque no futebol e na crônica.

Força Casagrande!
*Ricardo Kauffman é jornalista e roteirista.

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